domingo, janeiro 29, 2006

Simone de Beauvoir

"Eu e Sartre não tínhamos a mesma maneira de nos interessar pelas coisas. Eu me perdia em minhas admirações e minhas alegrias. 'Eis o Castor que entra em transe', dizia Sartre; ele conservava seu sangue-frio e tentava traduzir verbalmente o que via. Certa tarde contemplávamos do alto de Saint-Cloud uma grande paisagem de árvores e água; exaltei-me e censurei a Sartre sua indiferença; ele falava do rio e das florestas muito melhor do que eu, mas não sentia nada. Defendeu-se. Que significa ao certo sentir? Não se entregava às batidas do coração, aos frêmitos, às vertigens, a todos esses movimentos desordenados do corpo que paralizam a linguagem (...) Explicou-me muitas vezes que um escritor não podia ter outra atitude. Quem não sente é incapaz de escrever, mas se a alegria e o horror nos sufocam sem que os dominemos, nunca os poderemos exprimir. Às vezes eu lhe dava razão, mas às vezes eu me dizia que as palavras só retêm a realidade depois de a ter assassinado; deixam escapar o que há nelas de mais importante: a presença".

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